domingo, maio 06, 2007

No sorriso louco das mães batem as leves gotas de chuva. Nas amadas caras loucas batem e batem os dedos amarelos das candeias. Que balouçam. Que são puras. Gotas e candeias puras. E as mães aproximam-se soprando os dedos frios. Seu corpo move-se pelo meio dos ossos filiais, pelos tendões e órgãos mergulhados, e as calmas mães intrínsecas sentam-se nas cabeças filiais. Sentam-se, e estão ali num silêncio demorado e apressado, vendo tudo, e queimando as imagens, alimentando as imagens, enquanto o amor é cada vez mais forte. E bate-lhes nas caras, o amor leve. O amor feroz. E as mães são cada vez mais belas. Pensam os filhos que elas levitam. Flores violentas batem nas suas pálpebras. Elas respiram ao alto e em baixo. São silenciosas. E a sua cara está no meio das gotas particulares da chuva, em volta das candeias. No contínuo escorrer dos filhos. As mães são as mais altas coisas que os filhos criam, porque se colocam na combustão dos filhos, porque os filhos estão como invasores dentes-de-leão no terreno das mães. E as mães são poços de petróleo nas palavras dos filhos, e atiram-se, através deles, como jactos para fora da terra. E os filhos mergulham em escafandros no interior de muitas águas, e trazem as mães como polvos embrulhados nas mãos e na agudeza de toda a sua vida.
E o filho senta-se com a sua mãe à cabeceira da mesa, e através dele a mãe mexe aqui e ali, nas chávenas e nos garfos. E através da mãe o filho pensa que nenhuma morte é possível e as águas estão ligadas entre si por meio da mão dele que toca a cara louca da mãe que toca a mão pressentida do filho.
E por dentro do amor, até somente ser possível amar tudo, e ser possível tudo ser reencontrado por dentro do amor.

Fonte II, Herberto Helder, ou o poema contínuo, pag. 47-48, Assírio & Alvim

2 Comments:

Blogger pasta38 said...

Alguém conhece poema sobre o Amor Filial, escrito em português, mais bonito do que este?

7:17 da tarde  
Blogger hugo37 said...

Bom, o q queres dizer é que gostas muito deste e gostavas ainda mais que alguém o tivesse comentado, não é?
Nem sempre se obtém o impacto pretendido, sem com isto querer dizer que o poema não tem o seu mérito, bem pelo contrário. Se calhar, o poema esgota as palavras e não deixa margem a comentários. Pelo menos assim se passou comigo. Ainda bem que disseste qualquer coisa que eu pudesse comentar porque de outra forma, não teria nada a dizer. O silêncio da reflexão para a qual fui remetido com cada frase desse bonito poema, deixou de ter necessidade de ser posto em palavras.
Belíssimo, na pele da pele, da minha pele na tua. Mãe
Abraço

12:51 da tarde  

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